Nada é mais complexo que a
incredulidade; ela possui mais fases que a lua e mais nuanças que o camaleão.
Segundo uma crença popular, o diabo se mostraria às vezes de uma forma e ora de
outra. O que é falso quanto a Satanás em pessoa, é perfeitamente verdadeiro
quanto à incredulidade, esta filha primogênita de Satanás. Pode-se dizer dela,
com toda a verdade, que seu nome é legião, porque suas formas são várias. Ora a
incredulidade me aparece disfarçada em anjo de luz; ela se cobre com o nome de
humildade e fala algo parecido com estes termos: "Deus me guarde da
presunção ! Deus me guarde de afirmar que o Senhor me perdoa; eu sou um pecador
grande demais para ousar contar com sua graça". Com freqüência os cristãos
mesmos se deixam levar por esta artimanha de Satanás, e louvam a Deus por ter
abençoado uma alma com tão bons sentimentos. Mas, longe de louvar a Deus, eu
gemo por essa alma, porque sob esse agasalho emprestado, reconheço o demônio da
dúvida.
Outras vezes, a incredulidade
coloca em questão a fidelidade de Deus: "É verdade que o Senhor me ama, se
diz; mas quem pode dizer se ele não vai me rejeitar em seguida ? É verdade que
ontem ele me socorreu e me ponho ainda sob a sombra de suas asas; mas quem pode
dizer se ele amanhã não me abandonará ? Quem pode dizer se ele sempre se
lembrará de sua aliança e não esquecerá sua compaixão ?" Outras vezes
ainda, a incredulidade inspira dúvidas sobre o poder de Deus. Alguém encontra
em seu caminho novos entraves, ou é enlaçado por uma rede de dificuldades e
pensa em seu coração: "Certamente o Senhor não saberia nos livrar".
Então tenta por si mesmo se desembaraçar de seu fardo, e por que não consegue,
imagina que o braço de Deus é tão curto quanto o nosso, e que sua força tão
fraca como a força humana.
Mas, se essas diversas formas
de incredulidade são perigosas no mais alto grau, porque elas retêm as almas
longe de Jesus e levam-nas a duvidar de seu poder ou de seu amor, o que dizer
daquela incredulidade terrível, confessada, mais revoltante, que,
orgulhosamente e em suas cores verdadeiras, blasfema contra Deus e nega
atrevidamente sua existência? O deismo, o ceticismo e o ateísmo, tais são os
frutos maduros e envenenados da árvore da dúvida; essas são as mais terríveis
erupções do vulcão da incredulidade. Sim, pode-se dizer verdadeiramente que ela
atingiu sua perfeita estatura, que ela encontrou seu apogeu, esta incredulidade
que, tirando toda a máscara e deixando de lado todo o disfarce, percorre insolentemente
a terra dando seu grito de revolta: "Não há Deus !" E que levantando
o braço contra Jeová, tenta abalar o trono da divindade, e em sua inconcebível
loucura, parece não aspirar nada mais que se fazer Deus. Entretanto, meus
amigos, notem bem que a incredulidade se manifesta sob formas mais ou menos
grosseiras, mais ou menos atenuadas, mas sua natureza permanece a mesma; a
seiva é a mesma, ainda que os ramos sejam infinitamente variados.
Há neste mundo certas pessoas
muito estranhas, para dizer pouco, que sustentam que a incredulidade não é
pecado. E o que é mais inexplicável, é que há pessoas que apesar de uma fé
religiosa robusta, caem nesse erro. Conheço um jovem que entrou um dia em uma
reunião de amigos e ministros do Evagelho, no momento em que se discutia muito
seriamente esta questão: "É pecado o homem não crer no Evangelho ?"
Pasmo, o jovem tomou a palavra e disse: "Senhores, estou ou não na
presença de cristãos ? Vocês crêem ou não crêem na Bíblia ?" – "É
inegável que nós somos cristãos", responderam todos de uma só voz.
"Então, retomou o jovem, por que esta discussão ? A Escritura não diz,
expressamente, que o mundo será convencido do pecado, porque não crerá em
Cristo ? Ela também não denuncia a condenação de todo o pecador que recusa crer
no Filho de Deus ?"
Este arrazoado, meus irmãos,
não lhes parece tão simples quanto conclusivo ? Quanto a mim, lhes confesso,
não posso compreender que homens que dizem ter respeito pela palavra inspirada,
não aceitem implicitamente o que ela ensina. Eu não posso compreender que sob o
pretexto de aliar a verdade com não sei quais dados da razão humana, se tenha
ousadia de negar as declarações divinas. A verdade é uma torre forte que não
tem necessidade de ser apoiada pelo erro. A Palavra de Deus saberá muito bem
permanecer em pé, apesar dos ataques de seus inimigos e sem os sofismas de seus
pretensos amigos. Pois a Escritura declara nestes termos a causa da condenação:
que a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz; lá nós
lemos palavras como estas: aquele que não crê, já está condenado, porque não
crê no nome do Filho de Deus; eu não temo afirmar da maneira mais positiva, com
a Palavra de meu Mestre, que a incredulidade é um pecado.
Sejamos razoáveis, são
necessários grandes argumentos para demonstrar esta verdade ? Ela não se prova,
por si mesma, a todo espírito racional e sem preconceito ? O quê ? Não é uma
coisa medonha, que uma criatura ouse colocar em dúvida a Palavra daquele que a
formou ? Não é um crime e um insulto à Divindade, que eu, miserável átomo, grão
de areia perdido nesta imensidão, ouse desmentir o Todo-poderoso ? Não é o
cúmulo da arrogância e do orgulho, que um filho de Adão diga em seu coração:
"Deus ! Eu duvido de tua graça, duvido de teu amor, duvido de teu poder
!" Oh ! Meus queridos ouvintes, creiam-me; ainda que fosse possível
amalgamar, por assim dizer, os mais vergonhosos delitos; ainda que vocês
pegassem os assassínios, a blasfêmia, a cobiça, o adultério, a fornicação, em
resumo, tudo o que há de mais vil, de mais imundo, de mais revoltante sobre a
terra, e que todos estes crimes reunidos, vocês pudessem deles fazer um único
crime monstruoso, esta massa hedionda de corrupção e de impureza, seria menos
ainda que o pecado de incredulidade. Sem opositor, esse é o pecado rei; ele é a
quintessência de tudo o que é mal; o princípio e o veneno de todo o vício; a
escória de toda a maldade, a obra-prima de Satanás. Mas para melhor lhes fazer
compreender a excessiva malignidade desse pecado, permitam-me entrar com alguns
desenvolvimentos.
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