“Desvenda
meus olhos.” – Essa é a oração de Davi. Esta é uma
parte da divina liberalidade pela qual ele tem indagado. Nenhuma liberalidade é
maior do que aquela que beneficia nossa pessoa, nossa alma, nossa mente e traz
benefício a um órgão tão importante como os olhos. É muitíssimo preferível ter
os olhos abertos do que ver-se no seio dos mais nobres prospectos e contudo
permanecer cego para as belezas que nos cercam. Para que eu contemple as maravilhas
de tua lei. (Sal 119.18)
Certas pessoas não
conseguem perceber nenhuma maravilha no evangelho. Davi, porém, estava
convencido de que havia coisas gloriosas na lei — ele não possuía sequer a
metade da Bíblia, mas a valorizava mais que muitas pessoas que possuem-na toda.
Ele sentia que Deus pusera grandes belezas e abundância em sua Palavra, e então
solicita poder para percebê-la, apreciá-la e dela tirar proveito. Necessitamos
não tanto que Deus nos conceda mais benefícios, e, sim, que nos dê capacidade
de ver o que ele já nos deu.
A oração subentende a
consciência da existência de trevas, de imprecisão da visão espiritual, de
impotência de remover o defeito e da plena certeza de que Deus pode removê-las.
Ela mostra também que o escritor sabia da existência de vastos tesouros na
Palavra que ele possuía, os quais não eram plenamente vistos; de maravilhas que
não havia ainda contemplado, de mistérios nos quais escassamente cria. As
Escrituras são ricas em maravilhas; a Bíblia é um país encantado; ela não só
relata milagres, mas ela mesma é um universo de prodígios. Não obstante, o que
vale tudo isso se nossos olhos estão fechados? Deus mesmo deve trazer
iluminação a cada coração. As Escrituras precisam ser abertas, mas não meia
abertura como agora ocorre com nossos olhos. O véu não está no livro, mas em
nosso coração. Que perfeitos preceitos, que precio¬sas promessas, que
inestimáveis privilégios são negligenciados por nós, só porque perambulamos
como por entre cegos que, por sua vez, perambulam por entre as belezas da
natureza, as quais são para nós uma bela paisagem oculta na escuridão!
A oração de Davi, neste
versículo, é uma boa seqüência ao versículo 10, que lhe corresponde na posição
em sua oitava. Ali ele disse: "Oh, não me deixes vaguear [fugir]"; e
quem é mais apto a vaguear que um cego? E ali também ele declarou: "De
todo meu coração tenho te buscado"; daí o desejo de ver o objeto de sua
busca. Singulares são os entrelaçamentos dos galhos da vetusta árvore deste
Salmo, os quais revelam entre si infindas maravilhas, se porventura tivermos os
olhos abertos para divisá-las.
Sou peregrino na terra;
não escondas de mim teus mandamentos (v.19).
Sou peregrino na terra.
Isso traz implícito um pleito judicial. Por ordem divina, os homens se vêem
obrigados a viver como estrangeiros ou peregrinos; e o que Deus ordena em
outros, ele exemplificará nele próprio. O salmista era um estrangeiro por amor
a Deus. Ele não era estrangeiro em relação a Deus, mas estrangeiro em relação
ao mundo, um homem banido enquanto estivesse fora do céu. Portanto suplica: não
escondas de mim teus mandamentos. Se estes [mandamentos] me forem suprimidos, o
que será de mim? lá que nada do que me cerca é meu, o que será de mim se perder
tua Palavra? Já que dos que me cercam ninguém sabe nem procura saber o caminho
que leva a ti, o que será de mim se não puder ver teus mandamentos, somente por
meio dos quais posso guiar meus passos em direção à terra onde habitas? Davi
insinua que os mandamentos de Deus eram o lenitivo em seu exílio; traziam-lhe
recordações do lar e lhe indicavam o longo caminho, e portanto suplica que
nunca fossem escondidos dele, já que ele, por si só, era incapaz de entendê-los
ou de obedecê-los. Se a luz espiritual for subtraída, o mandamento se oculta, e
isso um coração agraciado condena profundamente.
O que adiantaria os
olhos abertos, se o mais deleitoso objeto de sua contemplação for afastado de
seu alcance? Enquanto peregrinamos aqui, podemos suportar com paciência todos
os males provindos desta terra estranha, se a Palavra de Deus for aplicada a
nossos corações pelo Espírito de Deus; mas, se as coisas celestiais que
produzem nossa paz forem ocultas de nossos olhos, ficaremos em maus lençóis —
aliás, nos veremos em alto mar, sem bússola; num deserto, sem guia; num país
inimigo, sem amigo.
Esta oração é um
suplemento a "abre meus olhos", como alguém que ora para ver e outro
condena ver, ou seja, o mandamento ser oculto, e ficar assim fora da vista.
Faremos bem em visualizar ambos os lados da bênção que estamos buscando para
vê-los de todos os ângulos. As orações são apropriadas para os caracteres
mencionados: como um servo, ele roga que seus olhos sejam abertos para que
jamais deixe de contemplar seu Senhor como bom servo; como um peregrino, ele
roga que não seja um estranho na estrada pela qual caminha rumo ao lar. Em cada
caso, sua inteira dependência é exclusivamente de Deus.
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