Alguns
trechos bíblicos ficam claros diante dos nossos olhos — pastos baixos e
abençoados onde os cordeiros podem se alimentar; existem, no entanto,
profundezas onde nossa mente poderia antes afogar-se do que nadar com prazer,
se ela chegasse até lá sem cautela. Existem textos das Escrituras que foram
feitos e construídos com o propósito de nos levar a pensar. Por esse meio,
inclusive, nosso Pai celestial quer nos educar para o céu — fazendo-nos
penetrar nos mistérios divinos com a nossa mente. Por isso, Ele nos oferece a
sua Palavra de uma forma às vezes complexa, para nos compelir a meditar sobre
ela, antes de chegarmos à sua doçura. Ele poderia ter explicado tudo de tal
maneira que captássemos o pensamento num só minuto, mas não foi da vontade dEle
fazer assim em todos os casos. Muitos dos véus que são lançados sobre as
Escrituras não têm a intenção de ocultar o significado aos leitores diligentes,
mas de compelir a mente a ser ativa, pois muitas vezes a diligência do coração
em procurar saber a vontade divina faz mais bem ao coração do que a própria
sabedoria obtida. A meditação e o esforço mental cuidadoso servem como
exercício e fortalecimento da alma, que passa a ficar em condições de receber
verdades ainda mais sublimes.
Precisamos
meditar. Essas uvas não produzem vinho até serem pisadas por nós. Essas
azeitonas precisam ser colocadas debaixo da roda, e prensadas repetidas vezes,
para que o azeite flua delas. Olhando para um punhado de nozes, percebemos
quais delas já foram comidas, porque há um buraquinho onde o inseto furou a
casca — só um buraquinho, e lá dentro há uma criatura vivente comendo a noz.
Ora, é uma coisa maravilhosa furar a casca da letra, para então ficar por
dentro comendo a própria noz. Bem que eu gostaria de ser um vermezinho assim,
vivendo dentro da Palavra de Deus, alimentando-me dela, depois de ter aberto
caminho através da casca e ter chegado ao mistério mais interior do evangelho
bendito. A Palavra de Deus sempre é mais preciosa para o homem que mais se
alimenta dela.
No
ano passado, sentado debaixo de uma faia nogueira que se estendia em todas as
direções, e admirando aquela árvore tão maravilhosa, pensei comigo mesmo: Não
tenho nem a metade da estima por essa faia do que o esquilo tem. Vejo-o,
pulando de galho em galho, e tenho certeza que ele dá muito valor àquela velha
faia, porque tem seu lar em algum oco dentro dela, os galhos são o seu abrigo,
e aquelas nozes de faia são o seu alimento. Ele vive da árvore. É seu mundo,
seu pátio de recreio, seu celeiro, seu lar; realmente, é tudo para ele; mas
para mim, não, porque obtenho meu repouso e minhas refeições em outro lugar. No
caso da Palavra de Deus, é bom sermos como esquilos, habitando nela e vivendo
dela. Exercitemos nossa mente, pulando de galho em galho na Palavra; achemos
nela o nosso repouso e façamos dela o nosso tudo. O proveito será todo nosso,
se fizermos dela nosso alimento, nosso remédio, nosso tesouro, nosso arsenal,
nosso repouso, nossa delícia. Que o Espírito Santo nos leve a fazer assim,
tornando a Palavra tão preciosa à nossa alma!
Oração
ao Autor da Palavra
Agora,
quero fazê-lo lembrar que, para obter proveito da Palavra, teremos de orar. É
uma coisa excelente sermos forçados a pensar, e coisa mais excelente ainda é
ser forçado a orar pelo fato de ter sido levado a pensar. Não é verdade que
estou falando com alguns de vocês que não lêem a Palavra de Deus, e que estou
falando com muitos outros que a lêem, mas sem nenhuma resolução firme no
sentido de entendê-la? Sei que esta é a realidade. Você quer começar a ser um
leitor verdadeiro? Então, precisa dobrar os joelhos. Você deve orar a Deus,
pedindo orientação. Quem entende melhor um livro? O próprio autor dele.
Se
quero verificar o verdadeiro significado de uma frase um pouco complexa, e o
autor mora perto da minha casa e tenho condições de visitá-lo, vou tocar a
campainha da porta dele e dizer-lhe: "O senhor pode ter a gentileza de me
dizer qual o significado original daquela frase? Não tenho a mínima dúvida de
que ela faz muito sentido, mas eu sou inculto demais para percebê-lo. Não tenho
o conhecimento e o domínio do assunto que o senhor possui, e, portanto, suas
alusões e descrições estão além do meu alcance. Para o senhor, é um
lugar-comum, bem dentro do seu alcance, mas para mim é difícil. O senhor teria
a bondade de me explicar o significado?" Um bom homem teria prazer em ser
tratado assim, e não teria nenhum problema em deslindar o significado a um leitor
interessado e sincero. Assim, eu teria a certeza de obter o significado
correto, porque estaria indo à fonte original ao consultar o próprio autor.
Da
mesma maneira o Espírito Santo está conosco, e quando tomamos na mão o Livro
dEle e começamos a lê-lo, e queremos saber o significado, devemos pedir que o
Espírito Santo nos ensine. Ele não operará um milagre, mas Ele inspirará a
nossa mente, e Ele nos sugerirá pensamentos que nos levarão através da ligação
natural entre eles, até finalmente chegarmos ao cerne e ao âmago de sua
instrução divina.
Portanto,
procure com muita sinceridade a orientação do Espírito Santo, porque, se a
própria alma da leitura é o entendimento daquilo que lemos, logicamente devemos
invocar o Espírito Santo em oração, pedindo que Ele desvende os mistérios
secretos da Palavra inspirada.
Usando
Meios e Ajudas
Se
temos pedido assim a orientação do Espírito Santo, segue-se que estaremos
dispostos a usar todos os meios e ajudas para entendermos as Escrituras. Quando
Filipe perguntou ao eunuco etíope se este entendia a profecia de Isaías, o
eunuco respondeu: "Como poderei entender, se alguém não me explicar?"
Em seguida, Filipe subiu à carruagem e abriu-lhe a Palavra do Senhor.
Alguns,
sob o pretexto de estar sendo ensinados pelo Espírito Santo, se recusam a ser
instruídos por livros ou por homens. Essa atitude não honra ao Espírito de
Deus; pelo contrário, desrespeita-O, porque se Ele dá a alguns dos seus servos
mais luz do que dá a outros — e é claro que Ele dá — esses estão obrigados a
transmitir essa luz aos outros, e usá-la para o bem da igreja. Se, porém, o
restante da igreja se recusa a receber essa luz, com que propósito o Espírito
de Deus a deu? Nesse caso, haveria a sugestão de que há algum erro na
dispensação dos dons e das graças, que é dirigida pelo Espírito Santo. Não pode
ser assim. É do beneplácito do Senhor Jesus Cristo dar mais conhecimento e
entendimento da sua Palavra a alguns dos seus servos do que a outros, e nossa
parte é aceitar com alegria o conhecimento que Ele dá, da maneira que Ele quer
dá-lo.
Seria
muita iniqüidade nossa dizermos: "Não queremos os tesouros celestiais que
existem em vasos de barro. Se Deus nos der o tesouro celestial com a sua
própria mão, nós o aceitaremos, mas não através de vasos de barro. Pensamos que
somos suficientemente sábios, com mentalidade celestial, e muito espirituais
para dar valor às jóias quando estão colocadas em vasos de barro. Não queremos
ouvir a ninguém, e não queremos ler algo além da Bíblia, nem queremos aceitar
alguma luz a não ser aquela que passa por uma fenda em nosso próprio telhado.
Não queremos ver com a claridade da vela de outro; preferimos permanecer na
escuridão". Irmãos, não caiamos em semelhante insensatez. Se a luz vier da
parte de Deus, mesmo que seja trazida por uma criança, nós a aceitaremos com
alegria. Se algum dos servos dEle, seja Paulo, ou Apolo, ou Cefas, tiver
recebido luz, eis que "todas as coisas são vossas, e vós, de Cristo, e
Cristo, de Deus"; aceite, portanto, a luz que Deus acendeu, e peça graça suficiente
para focalizar essa luz na Palavra, de modo que, ao lê-la, você possa
entendê-la.
Não
quero dizer muito mais a respeito disso, mas gostaria de fazê-lo sentir essas
verdades. Você tem a Bíblia em casa, eu sei; você não gostaria de ficar sem a
Bíblia; e pensaria que é um pagão, se não a tivesse. Você tem a Bíblia e talvez
ela seja muito bem encadernada, um exemplar de aparência excelente; as páginas
não foram muito viradas nem gastas, e não correm tal risco, porque apenas saem
aos domingos para tomar o ar, e durante o restante da semana ficam guardadas
junto aos lenços perfumados de alfazema. Você não lê a Palavra, não a
perscruta, e como poderá esperar que receberá a bênção divina? Se não vale a
pena escavar para achar o ouro celestial, não há a probabilidade de
descobri-lo. Várias vezes já lhe falei que escrutinar as Escrituras não é o caminho
da salvação. O Senhor tem dito: "Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás
salvo". Mesmo assim, a leitura da Palavra freqüentemente leva, assim como
o ouvir da Palavra, à fé, e a fé traz a salvação; porque a fé vem pelo ouvir, e
a leitura é um tipo de ouvir. Enquanto você procura saber o que é o evangelho,
pode ser do agrado de Deus abençoar a sua alma.
Mas que quantidade inferior de leitura alguns de vocês
dedicam às suas Bíblias! Não quero dizer nada que seja demasiadamente severo
por não ser rigorosamente verdadeiro — que falem suas próprias consciências —
mas não deixo de tomar a liberdade de perguntar: Não é verdade que muitos de
vocês lêem a Bíblia de maneira muito apressada — só um pouquinho, e saem
correndo? Alguns de vocês não se esquecem, pouco tempo depois, de tudo quanto
leram, perdendo até mesmo o pouco efeito que parecia ter? Quão poucos de vocês
estão resolutos no sentido de chegar até ao âmago da Palavra, ao seu suco, à
sua vida, à sua essência, e a beber do seu significado! Se você não fizer assim,
digo-lhe, de novo, que a sua leitura é leitura miserável, leitura morta,
leitura sem proveito; não é leitura de modo algum, e até o nome de leitura
seria impróprio. Que o Espírito Santo lhe dê arrependimento quanto a este
assunto.
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