No verão de 1849
Charles entrou em mais outra escola, esta na cidade de Newmarket. Embora mal
tivesse completado a idade de quinze anos, ele não veio apenas como aluno, mas
também como um professor de tempo parcial - posição conhecida como de
"Monitor".
Não muito longe dele
situava-se a grande e transformadora experiência, a sua conversão. Esse evento
por muito tempo tem sido do conhecimento comum entre os cristãos evangélicos,
muitas vezes narrado do púlpito e relatado em livros e revistas.
Mas esse evento foi
precedido por uma longa e amarga convicção de pecado e um anseio pela salvação,
fato geralmente não mencionado. Todavia, Spurgeon considerava essa experiência
tão importante que, não somente falava dela com freqüência em sua pregação, mas
também em sua Autobiografia dedicou um capítulo inteiro a ela.
Além disso, este mestre
da descrição parece quase perdido, em sua tentativa de estabelecer palavras
suficientemente severas para retratar a agonia que ele sofreu. "Eu
preferiria", diz ele, "passar por sete anos da mais debilitante
enfermidade, a ter que passar de novo pela terrível descoberta do mal do
pecado".
Essa amarga experiência
começou quando ele ainda era muito jovem. Como já vimos, ele tinha só três anos
de idade quando se distraía com as figuras de O Peregrino, de Bunyan, com o
fardo nas costas, e pouco tempo depois ele soube do seu significado - que se
tratava de um fardo de pecado. Quando aprendeu a ler, o seu material de leitura
era, em grande parte, a Bíblia e as obras de alguns dos grandes escritores
puritanos. Ele ouvia com aguda atenção as discussões teológicas, e na época em
que ele tinha mais ou menos dez anos de idade, havia adquirido considerável
conhecimento da doutrina cristã. Ele era um menino honesto e íntegro, mas tinha
visto algo do que o pecado é aos olhos de Deus. Ele sabia que, como o
Peregrino, estava levando em seus lombos o medonho fardo, e que ele próprio não
podia removê-lo.
Durante uma das suas
visitas de verão a seu avô, a passagem das Escrituras um dia falava do
"poço do abismo" (VA: "poço sem fundo" (Apocalipse 9:1,2),
e Charles tinha inter-rompido, perguntando como poderia existir um lugar
"sem fundo". O avô respondeu de algum modo, mas a sua resposta não
satisfez o menino, e desse ponto em diante fixou-se em sua mente a certeza de
que era possível a uma pessoa não justificada caminhar, eternamente, cada vez
mais longe de Deus e de tudo quanto era reto e bom.
Ademais, embora ele
soubesse tão bem como qualquer outro que "Cristo morreu por nossos
pecados", não via nenhuma aplicação dessa verdade a si próprio. Tentava
orar, mas, diz ele: "A única oração completa era: "O Deus, tem
misericórdia de mim, pecador!" O esmagador esplendor da majestade de Deus,
a grandeza do Seu poder, a severidade da Sua justiça, o caráter imaculado da
Sua santidade, e toda a sua terrível magnificência - essas coisas deixavam
minha alma acabrunhada, e eu caía em completa prostração de espírito".
Apesar dos seus muitos
esforços, sua convicção de pecado aumentou. Ele conta que, através dos vários
anos da sua meninice, ele estava constantemente cônscio das exigências
universais da lei de Deus. "Aonde quer que eu fosse", diz ele,
"a lei fazia uma exigência aos meus pensamentos, às minhas palavras, ao
meu levantar e deitar". E em meio às suas lutas para sobrepujar essa terrível
percepção, ele se defrontou com a verdade afim, qual seja, a espiritualidade da
lei. Embora ele nunca tenha cometido os pecados da carne, sentia-se culpado
deles no espírito, e clamava: "Que esperança tinha eu de evitar uma lei
como esta, a qual me cercava por todos os lados com uma atmosfera da qual eu
não tinha a mínima possibilidade de escapar!"
Freqüentemente, depois
de despertar de uma noite conturbada, ele recorria a livros tais como,
Admonition to Unconverted Sinners (Admoestação aos Pecadores Não Convertidos),
de Alleine, e Call to the Unconvertedl (Um Chamado aos Incrédulos), de Baxter.
Mas as obras que tinham sido tão úteis para outros, só reforçaram o que ele já
sabia - que estava perdido e precisava ser salvo. Esses livros o deixaram com um
amargo anseio por saber como se poderia receber essa grande salvação, e ele
continuava buscando e sofrendo.
No meio dessas
circunstâncias, embora raramente ouvisse uma blasfêmia e muito menos a
proferisse, todas as maneiras de maldizer Deus e o homem começaram a entrar em
sua mente. Isso foi acompanhado por fortes tentações para negar a própria
existência de Deus e, por sua vez, estas o levaram a um esforço para dizer a si
mesmo que ele se tornara um livre pensador e, virtualmente, um ateu. Ele até
insistia em duvidar da sua própria existência, mas todas essas tentativas foram
inúteis.
Finalmente ele disse a
si mesmo: "Tenho que sentir algo; tenho que fazer algo". Ele gostaria
de poder oferecer suas costas para ser açoitado, ou de fazer alguma peregrinação
difícil, se por meio de tais esforços pudesse ser salvo. Contudo, admitiu:
"Quanto ao ponto mais simples de todos - crer em Cristo crucificado,
aceitar Sua obra de salvação, consumada, não ser nada e deixar que Ele seja
tudo, não fazer nada, mas confiar no que Ele fez - eu não conseguia apossar-me
disso".
Essa penosa busca
prosseguiu através dos anos em que ele freqüentou a escola, tanto em Colchester
como em Maidstone, e se tornou mais ardente durante o tempo que passou em
Newmarket. Como já vimos, seu trabalho acadêmico era sempre excelente, mas ele
estava angustiado interiormente. Em anos posteriores, quando rememorou esse
período terrível, disse: "Eu achava que seria melhor que eu fosse uma rã
ou um sapo, e não um homem. Eu achava que a criatura mais corrupta... era
melhor que eu, pois eu tinha pecado contra Deus, o Todo-poderoso".
Depois de ir para
Newmarket, ele freqüentou, primeiro uma igreja, depois outra, esperando ouvir
algo que o ajudasse a remover o fardo. "Um homem pregou sobre a soberania
divina", diz ele, "mas, que era essa sublime verdade para um pobre
pecador que queria saber o que ele tinha que fazer para ser salvo? Havia outro
homem admirável que sempre pregava sobre a lei, mas, de nada adiantava cuidar
de um terreno que ainda precisava ser semeado. Outro era um pregador prático...
mas era muito semelhante a um oficial em comando ensinando manobras de guerra a
um grupo de homens sem pés... O que eu queria saber era: "Como posso ter
perdoados os meus pecados?", e eles não me disseram isso.
Durante o mês de
dezembro de 1849, houve uma epidemia de febre na escola de Newmarket. O
educandário foi fechado temporariamente, e Charles foi para casa, para
Colchester, para estar lá durante o tempo do Natal.
Essa mudança das
circunstâncias foi empregada por Deus para levar o jovem inquiridor à salvação.
A história da conversão de Spurgeon é amplamente conhecida, mas pode muito bem
ser repetida, e não pode ser contada melhor do que com as palavras com as quais
ele próprio a apresentou.
Às vezes penso que eu
poderia ter continuado nas trevas e no desespero até agora, se não fosse a
bondade de Deus em mandar uma nevasca num domingo de manhã, quando eu ia a um
certo local de culto. Dobrei uma esquina, e cheguei a uma pequena Igreja
Metodista Primitiva. Umas doze ou quinze pessoas estavam ali presentes. Eu
tinha ouvido falar dos metodistas primitivos, e que eles cantavam tão alto que
davam dor de cabeça às pessoas; mas isso não me importou. Eu queria saber como
poderia se salvo.
O ministro não tinha
vindo nessa manhã; suponho que foi impedido pela neve. Por fim, um homem muito
magro, um sapateiro, ou alfaiate, ou algo do gênero, subiu ao púlpito para
pregar. Pois bem, é bom que os pregadores sejam instruídos, mas esse homem era
realmente ignorante. Ele foi obrigado a ficar grudado no texto pela simples
razão de que tinha muito pouco para dizer. O texto era - "OLHAI PARA MIM,
E SEREIS SALVOS, VÓS, TODOS OS TERMOS DA TERRA" (Isaías 45:22).
Ele nem sequer
pronunciou corretamente as palavras, mas isso não teve importância. Ali estava,
pensei eu, um vislumbre de esperança para mim nesse texto.
O pregador começou
assim: "Esta passagem é de fato muito simples. Ela diz: "Olhai".
Ora, olhar não custa nada. Ela não manda, levantar o pé ou o dedo; é só
"Olhai". Bem, ninguém precisa cursar faculdade para aprender a olhar.
Você pode ser o maior tolo, e, todavia, pode olhar. Ninguém precisa ganhar mil
(libras) por ano para olhar. Qualquer um pode olhar; até uma criança pode
olhar.
Mas depois o texto diz:
"Olhai para Mim". "Ai!", disse ele no linguajar comum de
Essex, "muitos de vocês ficam olhando para si mesmos, mas não adianta
olhar ali. Vocês nunca encontrarão conforto em si mesmos. Alguns dizem que olham
para Deus o Pai. Não, olhem para Ele posteriormente. Jesus Cristo diz:
"Olhai para Mim". Alguns de vocês dizem: "Temos que esperar pela
operação do Espírito". Vocês não têm que fazer nada disso neste momento.
Olhem para Cristo. O texto diz: "Olhai para Mim".
Depois o bom homem
seguiu o seu texto desta maneira: "Olhai para Afim; eu estou suando
grandes gotas de sangue. Olhai para Mim; eu estou pendurado na cruz. Olhai para
Mim; eu estou morto e sepultado. Olhai para Mim; ressuscitei. Olhai para Mim;
subi ao céu. Olhai para Mim; estou sentado à direita do Pai. O, pobre pecador,
olha para Mim). Olha para Mim!"
Tendo conseguido
esticar sua fala por uns dez minutos, acabou--lhe a corda. Então ele olhou para
mim, embaixo da galeria e, posso dizer, havendo tão poucas pessoas presentes:
ele sabia que eu era um estranho.
Fixando seu olhar em
mim, como se conhecesse todo o meu coração, disse: "Jovem, você parece
estar em miseráveis condições". Bem, eu estava miserável, mas não estava
acostumado a ouvir do púlpito observações sobre a minha aparência pessoal.
Contudo, foi um golpe certeiro, atingiu o alvo. Ele continuou: "E você
estará sempre em miserável situação - miserável na vida e miserável na morte -
se não obedecer ao meu texto; mas, se lhe obedecer agora, neste momento, será salvo".
A seguir, levantando as mãos, gritou como só um metodista primitivo o poderia
fazer: "Jovem, olhe para Jesus Cristo. Olhe! Olhe! Olhe! Você não tem que
fazer nada senão olhar e viver!"
De pronto enxerguei o
caminho da salvação. Não sei o que mais ele disse - não prestei muita atenção
nisso - eu estava por demais possuído por aquele só pensamento.
Eu estivera esperando
ter que fazer cinqüenta coisas, mas quando ouvi aquela palavra,
"Olhe!", que encantadora palavra me pareceu! Oh, olhei quanto pude,
até parecer ter perdido meus olhos!
Ali e naquela hora a
nuvem sumiu, as trevas foram embora rolando, e naquele momento eu vi o sol. Eu
bem que poderia ter me levantado naquele instante e cantado com o mais
entusiasta deles sobre o precioso sangue de Cristo e sobre a fé singela que
olha somente para Ele. Oh, se alguém me tivesse dito isto antes: "Crê em
Cristo, e serás salvo"! Contudo, tudo isso fora ordenado sabiamente, e
agora posso dizer -
"Desde que pela fé
as ondas vi,
Supridas por Teu
sangue, a escorrer,
O amor que redime, este
é meu tema,
E o será até quando eu
morrer...".
Que dia feliz, quando
encontrei o Salvador e aprendi a agarrar-me aos Seus amados pés, dia jamais
esquecido por mim!... Ouvi a Palavra de Deus, e aquele precioso texto me levou
à cruz de Cristo. Posso testificar que a alegria daquele dia é totalmente
indescritível. Eu podia ter saltado, eu podia ter dançado; não houve, contudo,
nenhuma expressão fanática, o que estaria fora da preservação da alegria
daquela hora. Muitas ocasiões de experiência cristã têm ocorrido desde aquela,
mas nunca houve uma que tivesse aquela hilaridade, o esplendente deleite que
aquele dia teve.
Achei que poderia ter
saltado do assento em que estava sentado e ter gritado com o mais frenético
daqueles irmãos metodistas... "Estou perdoado! Estou perdoado! Um
monumento da graça! Um pecador salvo pelo sangue!" Meu espírito viu suas
cadeias feitas em pedaços, senti que eu era uma alma emancipada, que eu era um
herdeiro do céu, um pecador perdoado, aceito em Jesus Cristo, arrancado do
barro imundo e do horrível poço, com meus pés firmados sobre uma rocha e com o
meu andar estabelecido...
Entre as dez e meia,
hora em que entrei naquela capela, e meio dia e meia, quando estava de volta em
casa, que mudança tinha ocorrido em mim! Simplesmente por olhar para Jesus eu
tinha sido libertado do desespero, e fui levado a um estado mental tão jubiloso
que, quando me viram em casa, disseram-me: "Aconteceu alguma coisa
maravilhosa com você", e eu estava ansioso para contar-lhes tudo. Oh,
houve alegria naquela casa aquele dia, quando todos ouviram que o filho mais
velho tinha encontrado o Salvador e que sabia que fora perdoado"!
A conversão de Spurgeon
foi o grande ponto divisor da sua vida. Ele era de fato uma nova criação. O
terrível sentimento de pecado, tão longamente experimentado, já se fora, e tudo
era novo diante dele.
Contudo, o sofrimento
pelo qual ele tinha passado teve um efeito duradouro sobre ele. O
reconhecimento do medonho mal do pecado tingiu profundamente sua mente e o
levou a detestar a iniqüidade e a amar tudo quanto é santo. A falha dos
pregadores que ele ouvira, não apresentando o evangelho, e ao apresentá-lo não
o fazendo de maneira franca e direta, fez com que ele, através de todo o seu
ministério, dissesse aos pecadores, em todos os sermões, e de maneira a mais
franca e compreensível, como serem salvos.
Além disso, essas
lições não eram só para o futuro. Tal era seu amor por Cristo que, apesar de
ainda estar com apenas quinze anos de idade, não pôde ficar esperando para
depois fazer alguma coisa por Ele, mas teve que procurar os meios pelo qual
pudesse servi-lo, e servi-lo imediatamente.
Arnald. A. Dallimore
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